terça-feira , 22 outubro 2024
Júlia de Fátima

Falta de profissionais capacitados em libras deixa estudantes à margem de educação de qualidade

Falta de intérpretes de Libras compromete a inclusão e o acesso dos estudantes surdos a uma educação de qualidade, ampliando as barreiras para seu pleno desenvolvimento pessoal e profissional

A Língua Brasileira de Sinais (Libras) é muito mais do que um simples meio de comunicação. Para as pessoas surdas, ela representa a chave para a inclusão social, cultural e profissional. Luiz Fernando Siqueira, intérprete de Libras e filho de pais surdos, compartilha que para ele, a Libras é mais do que sua língua materna. “Trabalhar e me aprofundar na Língua de Sinais se deu por uma questão religiosa, também pela alegria de fazer o que mais gosto, que é ajudar o próximo. Ao longo dos anos, isso influenciou na escolha da minha profissão”.

Luiz também explica como o ato de interpretar é desafiador, mesmo para alguém que cresceu imerso na língua: “Trabalhar como intérprete é muito mais complexo e difícil, pois interpretar não é a mesma coisa que usar a língua de sinais em uma conversa informal. Demanda tempo de estudos, estratégias, performances, contatos com outros surdos e intérpretes de culturas e ambientes diferentes e mais estudos contínuos”. Esse preparo constante é essencial em um país com mais de 10 milhões de pessoas com algum grau de deficiência auditiva, segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia Estatística (IBGE), o que representa cerca de 5% da população brasileira. Entre essas pessoas, 2,7 milhões têm surdez profunda, o que reforça a urgência de se investir em educação inclusiva.

Na educação, um dos maiores desafios ainda é a falta de profissionais capacitados para atuar como intérpretes em sala de aula, algo que dificulta o aprendizado e a inclusão dos alunos surdos. Waleria Leonel, coordenadora do curso EAD de Licenciatura em Libras da UniCesumar, salienta: “A Libras é a primeira língua do surdo, o processo cognitivo e o desenvolvimento da pessoa surda só são possíveis quando a educação respeita a língua materna. Na educação, a maior dificuldade que encontramos é a falta de profissionais capacitados para suprir a alta demanda de alocação de tradutores intérpretes”.

Além disso, a falta de acessibilidade pode impactar negativamente outros aspectos da vida dos surdos. A Organização Mundial da Saúde (OMS) estima que, até 2050, cerca de 1 bilhão de pessoas em todo o mundo terão deficiência auditiva. Só nos Estados Unidos, por exemplo, os problemas de comunicação causados pela surdez geram um custo anual de aproximadamente US$4 bilhões. Esses dados destacam a urgência global de inclusão e investimento em recursos como a Libras.

O mercado de trabalho também vem apresentando mais oportunidades para surdos, mas a acessibilidade na comunicação nem sempre acompanha esse progresso. “No mercado de trabalho, dependendo da empresa, a contratação de PCD pode até ser feita, mas nem sempre é continuada por meio de uma comunicação acessível, impossibilitando o surdo de participar e se desenvolver em todas as áreas da empresa”, aponta Waleria.

Fernando complementa, destacando que a Libras pode ser um diferencial importante para o mercado de trabalho: “Dentro do mercado de trabalho é um diferencial enorme você ser bilíngue. Com a crescente inserção dos surdos no mercado de trabalho, vem aumentando cada vez mais a atuação do intérprete. Hoje as empresas, se vêem na necessidade de contratar um tradutor e intérprete de Libras para mediar a comunicação junto aos surdos”.

Sobre a importância da Libras ser ensinada nas escola desde a educação infantil, Waleria acredita que isso traria muitos benefícios e promoveria uma interação natural entre ouvintes e surdos, quebrando barreiras e reforçando a inclusão: “Para aquisição da linguagem de maneira correta, a criança precisa ser apresentada ao ensino da língua de sinais o quanto antes, para uma criança ouvinte, o processo é o mesmo, como consequência disso, haveria uma interação maior entre surdos e ouvintes, trabalhando de maneira adequada a inclusão social com todos os participantes na mesma língua”.

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Muitos ainda confundem a Libras com uma linguagem informal, mas Luiz ressalta a necessidade de mudar essa visão. “A língua de sinais como sendo uma língua totalmente visual, não deslumbra somente da escrita ou do sinal por sinal ou palavra por palavra. Ela tem toda uma estrutura gramatical, de semântica, em que as expressões faciais já fazem total diferença”. A sociedade precisa entender que ser fluente em Libras é tão importante quanto ser fluente em qualquer outra língua.

É essencial desconstruir mitos e equívocos em relação à Libras. Muitas pessoas ainda a confundem com uma simples linguagem gestual. “A Libras é uma língua e não uma linguagem, como também há uma Lei Federal nº 13.146/2002 que a reconhece como meio legal de comunicação e expressão da comunidade surda”, relembra Waleria Leonel. Reconhecer Libras como uma língua e compreender sua importância é um passo crucial para garantir um ambiente mais inclusivo e acessível para todos. A compreensão e a valorização da língua de sinais são essenciais para construir uma sociedade que respeita e inclui todos os seus cidadãos, independentemente de suas condições auditivas.

 

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